prosa pra pirar

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prosa de poeta engasga até profeta

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

PAI SEM PROSA

Ela perguntou papai você sabe contar uma estória como quem pergunta papai você pode acender a luz. Disse que sabia e que era uma vez um menino um lugar e um tempo. Tinha passarinho igarapé e muita mata. Tinha baladeira peteca e pião. Casqueta e curica sei que tinha. Cerol e linha branca tinha. E era manhã tarde e noite. Papagaios e pipas eram o vôo do menino e do vento. E tinha um rio. E tinha o menino e o rio. Tinha magia e mistério beira-rio. Tinha fé e fantasia. Peia e rebeldia. Ela perguntou um menino assim resiste? Não estou bem certo se era uma vez um menino um lugar e um tempo. Bem poderia ser uma menina um lugar e um tempo. Uma menina azul que gostava de avental e ventania no vão da varanda. Uma menina que acendia palavras na tarde vazia em que seu olhar via e lia fábulas. Ela perguntou uma menina assim existe? Melhor que fosse era uma vez uma menina e um menino em lugar e tempo diferentes. Tinha e não tinha fadas e duendes. Bruxas não tinha. Certo dia o dia virou diamante e o seu brilho era tanto que apagou o lugar e o tempo. O tempo e o lugar dos meninos. A menina era azul e gostava de hortênsias. O menino talvez fosse amarelo pois gostava de girassóis. Ou era de ipês? Não importa. O que importa é que o lugar voltou para o seu lugar pois é da natureza dos lugares ficarem no lugar. Mas o tempo esse não pára e quis começar de novo o tempo todo. E outra vez era uma vez dois meninos que saíram pelo mundo em busca do tempo e do lugar em que tudo era uma vez. Os dois buscaram tanto que ficaram tontos. Encontraram todos os lugares no lugar mas o tempo era fugidio e escapulia por entre os dedos como areia fina. Pensavam que era presente e já era passado. A menina era maga e fez algumas magias. Transformou sapos sapientes em sábios e corujas benditas em ditas cujas. Além do mais não podia ver uma palavra solitária que logo lhe arrumava um par. Foi ela quem inventou as palavras compostas. Já o menino era metido a poeta rimava tudo com nada nadava ritmos e melodias em rios de versos. Diversas vezes não pontuava temendo pela liberdade das palavras. Lembrei que os dois gostavam de inventar nomes para o inominável. Todos os nomes que não existem foram eles que criaram. Falavam de gulodices e gostosuras... Comecei a me perder no enredo. Ela quis ajudar e meio dormindo perguntou se eles foram felizes para sempre. Eu que nem pensara num desfecho disse que talvez sim talvez não. Que era tudo uma questão de ponto de vista. Que era muito relativo. Que... Seus olhos iluminaram a noite e perdoaram minha falta de jeito para contar estória. Minha falta de prosa. Depois dormiu. Apaguei a luz e fiquei contado luas e estrelas que o abajur refletia no teto. A noite calma acalentava o sonho da menina rara.

3 comentários:

  1. dois meninos que saíram pelo mundo em busca do tempo e do lugar em que tudo era uma vez.

    Grande Binho, homem por formação, menino por devoção! Tua prosa é de tirar o fôlego: veloz, fluida e criativa, tuas entortadas lexicais abrem portas para a ressignificação, é grã-finagem de
    marca. Escreve meu irmão! Transforme corujas benditas em ditas cujas, porque transformar é preciso!
    Forte abraço, Fiori

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  2. Caramba! Agora deu vontade de editar esta coisa boa, digna de inspirar outros tantos escritos, além de nos fazer pensar e desejar entrar em estado permanente de estesia.

    Deu vontade de falar sobre uma tal "menina azul que gostava de avental e ventania no vão da varanda".

    Valeu!!

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