prosa pra pirar

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prosa de poeta engasga até profeta

quarta-feira, 21 de março de 2012

InvenSão IV

Cool da madrugada, em algum pub da rua Brasília, Lé Zinho pedia pela quinta vez que o barman repetisse, no telão, A nigth in Tunisia, interpretação inspirada de Dizzy Gillespie que o tocava profundamente. Pedia e chorava em único e mesmo gesto. Horas antes a cena se repetira com So what, do Miles Davis. A mesma quantidade de repetição e de lágrimas. O garçom, seu chegado, não se importava em intermediar os desejos daquele lobo solitário e sedento. Pensava apenas que a figura poderia se desidratar duplamente: pelo excesso de vinho e de lágrimas. Vez em quando rompia o silêncio cúmplice:

- O que na verdade te fere tão profundamente ao ouvir essas músicas estranhas repetidas vezes?

- Você tem sorte de eu não gostar do Reginaldo Rossi – ironizava Lé – pois agora eu estaria cantando “garçom etc e tal” e seriamos dois a chorar perdidamente.

- Mas Lé Zinho essas músicas não têm nem letra...

- Não importa. Dor e solidão não têm tradução verbal, só trilha sonora. Prefiro chorar ao som de músicas sofisticadas, ainda que “estranhas”. Talvez eu esteja desenvolvendo um conceito de tristeza inteligente.

O garçom quase conseguia entender Lé, pois fora testemunha da cena protagonizada pelo boêmio e uma beldade linda e louca, dessas que flutuam ao seu redor, ainda no início da noite. Nada escutara do que dissera a princesa, mas pelos poemas recitados afetadamente pelo príncipe, falando da impossibilidade de pertencer a alguém, de cantar o amor e não a paixão, deduziu que se tratava de mais um canto à liberdade, mais um solo de palavras estranhas que, parece, vinha das entranhas daquele atormentado ser.

Lé, à distância, adivinhava o pensamento do barman e quando terminou a música solicitada, olhos vermelhos de loucura e pranto, bradou:

- Coloca aquele CD do Edvaldo Santana que tem Lobo solitário. Essa tem letra. O garçom vai gostar.

- “Falam que pra mim o sinal está fechado / que sou muito ansioso / chego sempre atrasado / que eu não vou dar em nada / que sou muito arrogante / um cavaleiro errante na madrugada”. O cara te conhece? – gracejou o barman.

Lé Zinho nada respondeu. Apenas chorava. Antes mesmo de terminar a quinta repetição, pagou a conta, abraçou o amigo garçom, o barman, e saiu cambaleante pela porta entreaberta da madrugada. O relógio na parede cravava o ponteiro maior no doze e o menor no cinco. Sabia que os anjos lhe levariam inteiro para casa. Enquanto vasculhava o bolso em busca da chave, ainda ouvia o refrão da música: “Sou o que sou / um lobo solitário procurando amor / sou o que sou / um bicho na cidade procurando amor”. Sabia da lágrima escondida dos homens.